sábado, 8 de agosto de 2015

Os deuses também se enganam!








          OS  DEUSES TAMBÉM SE ENGANAM!


  Desde os tempos mais remotos que o homem sente necessidade de antever o futuro e confiar em algo superior a si para o orientar e proteger.
  A História é por isso povoada de seres criadores, mágicos e muitas vezes destrutivos que guiam, vingam e consertam, conforme as ocasiões e necessidades.
  A dualidade entre o bem e o mal, foi e será sempre, o espelho das lutas interiores travadas pelo nosso consciente.
  No conjunto de mitos e lendas que pertencem a diversas civilizações e perante o que nos transmitem, verificamos que essa dualidade continua inalterável nos nossos dias, tal como o era na antiguidade, levando-nos a crer que a alma humana, ao longo dos séculos, apenas se foi enfeitando com novas roupagens, mas pouco ou nada cresceu, em termos de perfeição.
  As crenças e religiões sucederam-se, atropelando-se em despotismo e singrando à custa do poder económico e da ingenuidade das gentes.
  A história de barbaridades em“defesa da fé", repete-se até à actualidade,em proporções gigantescas e que as novas tecnologias, interesses e sofisticados armamentos, concretizam, dando-lhes uma magnitude de sangue jamais conseguida e imaginada.  
  As Cruzadas, a Inquisição e actualmente o denominado Estado Islâmico, bem como os conflitos que lhe deram origem, apenas usaram e usam o nome de Deus, para justificar actos bárbaros e próprios de mentes perturbadas e doentes.   
  Seja qual for o formato divino, nunca o homem encontrará Nele uma verdadeira razão para matar e menos ainda, divinizar-se, destruindo a sua própria criação !
  Para exemplo,decidi servi-me da extinta civilização Maia, para quem, a criação do mundo e dos seus primeiros habitantes humanos, nos aparece relatada numa obra escrita, chamada “Popol Vuh”- (livro do Conselho) e que descreve antigos mitos e crenças dos Maias Quichés da Guatemala.
  Pare eles, existiam dois grandes deuses: - Gugumatz e Tepeu, ou Furacão.
  Ambos resolveram quebrar o silêncio do nada, moldando a Terra e separando-a do céu.
  Criaram as águas, as montanhas, as árvores, a vegetação e os animais, com destaque para os jaguares, serpentes, aves e cervos (conhecidos na região).
  Após este esforço criativo, sentiram-se descontentes, pois nem as plantas nem os bichos sabiam falar para os poderem conhecer e adorar, por isso, resolveram elaborar outro tipo de criaturas e condenar os animais, a servir-lhes apenas de ajuda e alimento, surgindo então os primeiros homens, moldados do barro, mas cuja vida não foi longa, pois o frágil material de que tinham sido feitos, se derreteu nas águas.
   Novamente decepcionados, iniciaram nova empreitada e aconselhados por bruxos e antigos espíritos de animais, talharam homens de madeira, dando-lhes o dom da fala, mas estes novos seres, não tinham memórias, não podendo assim recordar nem louvar os seus criadores, por isso, os dois deuses zangaram-se e castigaram-nos, virando o mundo de cabeça para baixo e gerando uma tal confusão que até os cães se viraram contra os homens de madeira, terminando assim a sua raça!
   Numa última tentativa, os dois deuses descobriram que teriam que fazer homens de carne e que esta poderia ser fabricada através do milho.
  Os animais, transportaram grandes quantidades deste cereal para auxiliar os deuses na sua nova obra e então, foram feitos quatro seres humanos que foram os fundadores das quatro linhagens dos Maias Quichés.
  Estes quatro homens, eram bem constituídos, bondosos e reconhecidos aos seus criadores, mas a inteligência que desenvolveram, assustou Gugumatz e Tepeu que viram neles, forte concorrência e como o ciúme é um sentimento ancestral, decidiram limitar a sabedoria, natureza, poder e compreensão do mundo, colocando-lhes névoas nos olhos para que apenas vissem o que estava na sua frente e criando a mulher, para os distrair e permitir que se multiplicassem.
  Quando ficou terminada a criação humana, os deuses deixaram que a luz iluminasse as trevas e assim surgiu a primeira alvorada.
 A escuridão e a luz, são mencionadas repetidas vezes em todos os mitos de criação, pois é através da claridade que se vê o mundo e a vida e é o acto de nascer que pela primeira vez, possibilita ao novo ser, enxergar o dia após longa gestação no escuro ventre materno.
  De qualquer forma, não é imediata essa percepção da luz, visto a maior parte dos animais, necessitar de algum tempo, para abrir os olhos ou começar a ver, no entanto, esse precioso sentido, é o início de uma aprendizagem que se desenvolverá até ao momento em que seus olhos, se fecharão para a vida terrena, deixando apenas lugar para os do espírito e para uma nova luz de conhecimentos que o mundo terreno obrigará a esquecer...

  Esta era a visão dos antigos Maias, cujo comportamento cruel e sanguinário é bem conhecido, mas quantas vezes se terão enganado os deuses de ontem e de hoje  e quantas vezes terão pensado nos esboços de gente que criaram e cujas "névoas dos olhos" se foram esbatendo ao longo dos tempos, tornando-os autores e actores principais da sua própria destruição?

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Os proscritos da Mancha





 Eles fogem da guerra, da fome e da miséria extrema!
 São apenas rostos sem nome, sem futuro nem valor. Espoliados e prontos a morrer em terra alheia, por uma réstia de esperança!
  São as "pragas da Mancha", o canal que se tornou o símbolo da indiferença e sordidez. 
  A História, relatará um dia, estes novos holocaustos racistas e desumanos, mas não mostrará decerto nem os rostos, nem as causas e talvez ainda menos, a insanidade dos seus carrascos de asas brancas e consciências sombrias.

   As águas da Mancha, transbordam hoje do seu leito habitual, varrendo as margens de sonhos desfeitos e tingindo-as de sangue!
   Para muitos, a morte foi o fim da jornada, o derradeiro prémio que a Europa lhes ofereceu, após séculos de exploração, propositados erros e obscuras intenções .
   Quantos interesses e quantos enriquecem impunemente, com este êxodo desenfreado de gente sem nome que apenas procura sobreviver?
    Onde está o Deus que habita as grandes catedrais e cujo nome usurparam para subjugar os mais fracos, enquanto os "donos da Europa" se curvam piamente nas suas orações domingueiras enquanto descarregam para o Mediterrâneo e para além dele, os seus esgotos fétidos de poderio sem escrúpulos?
   Quem são afinal as "pragas" deste mundo?
   Os que arriscam a vida em travessias mortíferas, continuando a ser vítimas do preconceito e da exploração, ou os outros que mascaram as suas intervenções bélicas em terra alheia, apoiados por caciques traidores e corruptos que apenas servem para gerar ódio e sangue?
   Entre um verme engravatado e um ser humano faminto, sou pelo segundo, seja qual for a sua cor ou etnia, porque jamais poderei comparar a emoção que senti, quando derrubaram o muro de Berlim, como a que hoje sinto perante as infames vedações recentemente construídas, os colunatos judeus ou as cargas policiais contra quem se arrisca para subsistir em paz.  
   Lamento cada morte, cada mãe que arrisca a sorte de seus filhos, cada rosto e cada dor, mas lamento ainda mais, os omissos que conseguem dormir tranquilos, neste mundo tão perverso e desigual.